A obra de Alberto Chissano (n. 1935, Moçambique), profundamente enraizada nas tensões da memória e da ancestralidade, ergue-se como um corpo coletivo esculpido em silêncio. Com as mãos que herdaram do avô a intimidade da madeira e do gesto, o artista moçambicano modelou figuras que, mesmo imóveis, guardam a urgência do grito contido.
Tendo atravessado múltiplas existências – pastor, soldado, mineiro, cozinheiro, taxidermista – o escultor inscreve nas suas esculturas a errância e a resistência de uma vida partilhada com os fantasmas de um povo. A madeira, viva e porosa, dialoga com uma África de interioridade ancestral, onde o gesto escultórico se aproxima do feitiço e a imagem se torna invocação.
As suas figuras, de pescoços alongados e esticados até ao céu, não repousam: sustentam no corpo a verticalidade do espírito. “Procurar lá em cima”, como o próprio dizia, é não desistir da transcendência. Os braços que envolvem o outro ou se entrelaçam em si próprios, abraçando a dor, formam um discurso que dispensa palavras, mas não a emoção. Mãos grandes – por vezes com dedos em falta – abraçam corpos pequenos, tapam olhos cavados, de quem ainda não encontrou coragem para encarar o passado, ou esperança suficiente para acreditar no futuro.
Como a poesia murmurada no limiar do sonho e da vigília, a escultura de Alberto Chissano habita esse espaço rarefeito entre o visível e o oculto. Nos corpos que talha, há um segredo imemorial – o mesmo que se esconde na pausa antes do nascer do dia. Esculturas como poemas que não precisam de rima, apenas de tempo. Como o próprio afirmou, não criava para si, mas para o povo. E talvez seja esse gesto de entrega que confere à sua obra um sopro de eternidade humilde: um chamamento coletivo, uma oração construída em matéria.
Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz
Cortesia: João de Almeida