A pintura de Ana Manso (n. 1984, Portugal) situa-se num território entre a abstração e a figuração. Pinceladas alternadamente largas e finas, desenham linhas ondulantes que evocam o mundo subaquático. A sobreposição de camadas de cor transmite uma sensação de imagem em movimento, como se observássemos ampliações de um aquário, onde a vida marinha se transforma e deslumbra quem a contempla. Deixamo-nos submergir nesse mundo ainda tão desconhecido, embalados por algas dançantes e anémonas sedutoras.
Surgem também formas que fazem alusão a figuras antropomórficas, adornadas com plumas e elementos florais, das quais sobressai um olho meio adormecido, que nos devolve o olhar. De igual modo, por entre leves camadas de tinta, surgem padrões com motivos geométricos e orgânicos, que revelam partes de animais, como o pêlo de um felino, ou penas coloridas de um pássaro exótico.
Manchas de cor brincam com o traço linear da pincelada, num jogo de velaturas e transparências que remete para a técnica da colagem – onde tudo coexiste em harmonia num mesmo espaço. As suas pinturas requerem atenção e disponibilidade do observador, pois abrem caminho a sucessivos horizontes e realidades. Desafiam o familiar, convidando-nos a explorar o desconhecido e a abandonar o que já compreendemos.
Por meio do tie-dye, a artista prepara as lonas, por vezes de algodão, outras de linho, através da técnica têxtil de pigmentação em que o pano é torcido e amarrado até quase ao limite, de modo a preservar certas zonas intactas. O controlo reduzido no processo de tingimento revela-se uma vantagem: a artista aproveita as estrias, rugas e ondulações do pano como pontos de partida para a composição pictórica. Como escreve João Sousa Cardoso (2024), trata-se de uma pintura “com qualidade fragmentária e numa tessitura de ressonâncias, dobrando e desdobrando os véus, numa deambulação ambivalente entre a sensação da profundidade de campo e o deslizamento à superfície [...] intensificando a experiência da transmutação da matéria e a realidade tangencial do continuum da metamorfose das figuras.”
Revela-se, assim, uma relação de fé entre a mão de quem produz e a obra em si, como se a artista fosse somente instrumento para a emergência inevitável da pintura. Sente-se o fulgor de “uma pintura culta, simultaneamente hermética e sensualista, de uma beleza convulsa” (João Sousa Cardoso, 2024), onde o acaso desempenha um papel central na construção da imagem.
Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz