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Diogo Martins

Num território híbrido entre o que se vê e o que se intui, Diogo Martins (n. 1990, Portugal) e João Melo (n. 1995, Portugal) erguem corpos – ou melhor, fragmentos de corpos – que aparentam estar suspensos no tempo. Matéria que se contorce e cristaliza, como se tivesse sido apanhada a meio de uma metamorfose. A sua investigação move-se numa escuta atenta ao mundo. Constroem “objetos transmutantes e dispositivos de escalas variáveis que exploram hipóteses de sobreposição mágica entre a experiência interna, o corpo e fenómenos macroscópicos.”

O espectador depara-se com uma figura estranha, um ser híbrido, entre o humano, a que reconhecemos semelhanças na sua anatomia, e a máquina, pela invulgaridade artificial do seu aspeto. Veias de uma luz azul percorrem o corpo desta figura informe e rugosa, que tanto parece erguer-se de algo que a prende, como, no seu inverso, fundir-se nessa massa rochosa, de aparência um tanto vulcânica. No lugar da cabeça, somos surpreendidos com um género de tromba, uma mangueira, um artifício que une o que poderia ser o coração – fonte vital de energia – ao seu cérebro, ou ao órgão que controlaria as funções próprias deste corpo. Massas viscerais e queimadas convocam a presença do humano, sem, no entanto, o reproduzirem. Em vez disso, sugerem-no através de uma silhueta obscura e oca, revestida por uma pele sintética e estruturada por espinha luminosa.

Há uma inquietação subterrânea nas suas esculturas, um rumor qualquer que se propaga, uma memória que insiste em não se fixar. Pelo uso de materiais sintéticos, líquidos ou inflamáveis, a dupla artística parece procurar no próprio processo de fazer, um modo de pensar o corpo como lugar em constante reformulação. Um corpo enquanto dispositivo aberto, onde identidade e representação não se fixam, mas transmutam. É neste jogo, entre o efémero e o estático, entre o poético e o tecnológico, que a sua prática se inscreve.

Se o seu gesto é o de uma arqueologia do presente, é porque cada objeto é, também, um dispositivo de escavação. As figuras, por vezes luminosas, outras espectrais, falam-nos a partir de um lugar onde a individualidade e o coletivo se contaminam. Talvez por isso sejam difíceis de nomear. Parecem, antes, convocar. Uma forma de aparição, um vestígio que se recusa a desaparecer.

Nas esculturas de João Melo habita uma estranha vitalidade, uma espécie de convocação sensorial a um universo paralelo em que matéria, função e desejo se entrelaçam em gestos ora subtis, ora incendiários. Uma figura-totem flamejante ergue-se como invocação de um ritual, um corpo que arde e vigia, feito de cerâmica, luz e fragmentos de algo arcaico ou que ainda está por vir. Um híbrido de flor e máquina parece convocar uma botânica pós-humana, que ilumina o chão com um halo radioativo, abrindo-se como um ventre armadilhado. Como diz o próprio artista, “é como uma planta carnívora que captura o espectador para o epicentro da sua mira.”

Músculo Antagonista, por sua vez, é o culminar dessa pesquisa sobre o corpo – aqui multiplicado em mãos que contêm e apertam um cubo de vidro, simultaneamente frágeis e controladoras. As peças de João Melo não se deixam domesticar, revelam uma política do corpo que é também uma política da forma – resistem, persistem e gritam em silêncio. São corpos-resto e corpos-ataque, matéria e fantasma, com uma linguagem que pulsa entre a biomecânica e o mito.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz

Cortesia: Galeria Municipal do Porto — Pláka