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Ece Canli

Como soaria a música num outro planeta? Talvez não soe de todo. Ou talvez reverbere em frequências para as quais ainda não temos nome. Em Sacrosun, Ece Canli (n. 1987, Turquia) mergulha nessa interrogação com a gravidade de quem reconhece o som como matéria especulativa e sensorial. A voz, como um corpo invisível, torna-se, em si mesma, nave e sonda, atravessando terrenos telúricos e campos interstelares, conduzindo-nos por uma paisagem que tanto evoca a meditação como o desassossego. É uma composição densa e escura, mas iluminada por uma intuição primordial: a de que escutar é já um ato de tradução entre mundos.

A artista, que conjuga o seu trabalho musical com uma prática académica crítica – investigando as estruturas espaciais do sistema de justiça criminal e os seus dispositivos materiais e imaginários –, transporta para a sua música esse impulso de reconfiguração. Como refere (2024): “Li um livro chamado Alien Listening – Voyager’s Golden Record and Music from Earth, que coloca uma questão bastante interessante: que tipo de ouvidos terão os aliens?” A partir dessa dúvida, nasce o desejo de experimentar a voz e os instrumentos como se fossem corpos estranhos num mundo estranho. O que ressoa no vácuo? O que é som num lugar sem atmosfera?

A própria construção do disco encena esta travessia. Se Vox Flora, Vox Fauna partia de uma escuta do orgânico e do terrestre, em Sacrosun há uma dilatação do campo: um alargamento para o cósmico, para o fora-da-Terra, sem nunca perder a memória do solo. Ece Canli fala de “uma certa luz” no final do percurso – e é Persistence of the Circle que a encarna. Onírica e mineral, como se Andrei Tarkovsky tivesse filmado o entardecer de um planeta em combustão lenta, esta faixa final ancora-nos de novo ao mundo, inspirada pelo poema I Will Greet the Sun Again, da iraniana Forough Farrokhzad. 

A poeira cósmica assenta, mas não sem tremor, porque esta viagem – de som, pensamento e matéria – nunca nos promete conforto. Promete, sim, uma forma de presença, radical, inquieta e profundamente terrestre.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz