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Eduardo Batarda

Há, nas pinturas de Eduardo Batarda (n. 1943, Portugal), uma tensão entre o que se diz e o que se pinta – entre o gesto e o discurso, entre a forma e o ruído do pensamento. Nelas, o texto aparece como matéria visual, mas também como ruído interior. Um monólogo descontínuo, montagem de fragmentos, ecos e hesitações. Mais do que uma escrita, é uma escuta: frases que parecem ter sido apanhadas no ar, arrancadas a conversas alheias, pensadas a meio – e deixadas assim, a reverberar sobre campos de cor que são também estruturas, molduras, improvisações contidas.

Estas pinturas não pretendem ser lidas como se lê um texto, mas antes habitadas como quem percorre um espaço verbal: tropeçando, regressando, hesitando. O número que antecede cada frase, a irregularidade do lettering, a distribuição caótica ou minuciosa das palavras sobre a tela – tudo nelas convoca uma coreografia mental mais do que uma ordem narrativa. E, no entanto, é na fisicalidade desse gesto, na sobreposição de camadas, no rigor artesanal de pintar letras à mão e na recusa de soluções gráficas “bem-feitas”, que se afirma um dos centros da prática de Batarda.

O texto, aqui, não é literatura, é pintura. Ou melhor: é aquilo que acontece quando a pintura aceita ser contaminada por tudo aquilo que, à partida, lhe seria exterior – opinião, paródia, banalidade, crítica cultural, ruído citacional – e, ainda assim, encontra uma forma de integrar esses elementos sem se anular. Cada quadro funciona como uma enciclopédia de desvios, um ensaio sem tese, um laboratório onde o erro, o cansaço e o sarcasmo têm estatuto de método.

Há também esse outro lado: o do prazer - mesmo quando subtil ou contido. A escolha das cores, a justaposição das formas, o modo como os campos cromáticos comentam e contradizem os textos que os atravessam. A sensualidade do ato pictórico, que o artista nunca reivindica, mas que persiste – nas margens, nos intervalos, no modo como cada letra se repete e falha, ligeiramente diferente, a cada pincelada.

A obra de Eduardo Batarda, longe de procurar respostas ou alinhamentos formais, propõe-se antes como espaço de resistência à clareza excessiva – à eloquência profissional, ao virtuosismo fácil, à autoridade do saber. As suas pinturas são lugares onde o sentido hesita, onde o rigor é descoberto no fim, por acidente ou teimosia. E é talvez essa hesitação – lúcida, paciente, irónica – que as torna tão extraordinariamente contemporâneas.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz

Cortesia: Eduardo Batarda e Galeria Pedro Oliveira