As pinturas de Estevão Mucavele (n. 1941, Moçambique) são “paisagens imaginárias”: representações que emergem do imaginário pessoal do artista, influenciadas, naturalmente, pelo mundo real - como as minas e o mar da África do Sul - mas que transcendem os simples factos. São composições que convocam os maciços rochosos caraterísticos de Moçambique, onde o oceano encontra a terra, formando praias de vistas infinitas.
Os seus motivos – nuvens, colinas, ondas – surgem organizados com uma precisão quase ritual, como se cada elemento tivesse sido pintado com uma intenção meditativa. Na sua obra, o mar e o céu não são meros temas: são superfícies de contemplação e resistência, territórios onde a paisagem natural se funde com a paisagem emocional. Pinta somente o essencial para a descodificação das formas através de uma aparente simplicidade, mas que convoca tanto a experiência do trabalho nas minas como o regresso à sua terra natal, após a independência de Moçambique.
Tal como outros pintores, cuja paixão pela criação artística se desenvolveu num plano paralelo à vida quotidiana, também Mucavele explorou a pintura de modo informal, à margem do sistema tradicional. Essa distância permitiu-lhe uma liberdade de visão e de execução que, em certa medida, poderá ser associada à arte naïf.
Os seus planos pictóricos apresentam-se, frequentemente, imersos em amplas manchas cromáticas, recorrendo à utilização da espátula como ferramenta primordial para a aplicação da tinta sobre a tela – optando regularmente por uma paleta de cores reduzida, na qual dominam cores como o azul e o rosa, ou o verde e o bege. A sintetização das paisagens, onde impera a mancha (“tache”), aproxima-se da Arte Informal – nomeadamente do Tachismo – enquanto a linha delimita contornos e define formas geométricas, onde a figuração se aproxima da abstração.
Essa intransigência de que Malangatana falava, manifestava-se no rigor do traço, na fidelidade à sua visão interior, no modo como reconstrói o mundo. Em quadros de natureza onírica, onde realidade e ficção se unem, as obras de Mucavele recordam-nos que a pintura pode ser um gesto de reorganização do tempo: lento, meticuloso, fiel à memória e aberto ao sonho.
Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz
Cortesia: Manuela Matos Monteiro e João Lafuente