Na obra de Joana Patrão (n. 1992, Portugal), cada folha é vestígio, intervalo e testemunho – não da exuberância da vida, mas da persistência silenciosa do tempo. A artista apresenta um herbário que se afasta do gesto científico: feito de imagens e não de espécimes, escapa ao desejo de eternizar o vivo na sua plenitude. Não se fixa o instante exuberante, mas o que resta após a perda – são phantom flowers, sem os artifícios branqueadores e purificadores, observadas no seu lento processo de metamorfose. São folhas-esqueleto, captadas no seu momento mais frágil, já tocadas pela decomposição, onde se revela a erosão, imperfeição e a história.
Nestes registos fotossensíveis, a luz não revela o mundo tal como o olho o vê. A folha não é representada pela mão, mas pela própria luz, como nas experiências de Talbot e na técnica do cliché-verre – o gesto é mediado, impresso pela passagem do tempo e da matéria. A luz solar grava a ausência, onde o branco da folha protege o papel e o resto é queimado – um negativo do real onde a sombra é claridade. Tal como em Arboroscene, onde Joana seguia o declínio de uma macieira, há aqui uma continuidade dessa atenção ao decaimento como processo vital, não como fim, mas como modo de transfiguração silenciosa.
Do sopro ao sol, este gesto instala-se entre o ar e a luz, entre a respiração e a impressão. O vidro soprado, moldado pelo fôlego, condensa a ideia de sopro vital – o mesmo que faz mover as folhas, que transporta o pólen, que dá vida às árvores. Os círculos de vidro, como lupas ou pequenos sóis, aludem tanto à fotossíntese quanto à sensibilização do papel fotográfico: a folha, ao transformar luz em vida, transforma-se agora em imagem, projetando-se da sua superfície vegetal para a superfície sensível do papel. A folha torna-se árvore, amplificada na escala do diospireiro, que acolhe no seu corpo a memória do tempo e do lugar. Os vidros circulares deixam de ser apenas molduras para evocarem o sol – astro que cresce e consome – numa ligação simbólica à árvore que arde pela metade: mito transmontano que aqui se reinterpreta como fogo solar, transmutador.
Esta instalação introduz as folhas-esqueleto como um herbário poético, onde a catalogação é subtendida por uma ordenação sensível e linguística: cada folha é acompanhada por palavras que não classificam, mas que evocam a natureza e a recolha, a escrita e o desenho. A repetição e a aliteração substituem a rigidez taxonómica por uma fluência vegetal, onde o igual se afirma como diferente – como as folhas de uma mesma árvore, ou de uma mesma ideia. Como escreve Nuno Faria, herborizar é uma prática paradoxal: preservar algo através da interrupção do seu fluxo. Joana Patrão não interrompe, acompanha, e, nesse gesto, as folhas voltam a respirar.
Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz