@traco_do_melaco

Laura Garcia

Um atlas com caminhos, para que o mundo não se feche propõe-se como gesto radical de escuta e de inscrição no real, conduzido por Madalena Folgado (n. 1980, Portugal) e acompanhado por Laura Garcia (n. 1998, Portugal) e Rafael dos Santos (n. 1998, Portugal), através de uma partitura sensível onde se cruzam tempo, território e linguagem. Não se trata apenas de um projeto, mas de um organismo em devir, cuja matéria-prima é o próprio mundo – o vivido, o herdado, o pressentido – recolhido em fragmentos que vibram no presente como fulgurações de um tempo expandido. É neste campo de forças que o conceito de aberto, em ressonância com o pensamento de Maria Gabriela Llansol, se afirma como experiência da queda partilhada, da coincidência que une e expande.

O momento inaugural dá-se no reconhecimento de uma melodia ancestral – as Alvíssaras – reencontrada na infância e devolvida à artista num filme longínquo, como quem tropeça num eco do próprio passado. Este som subterrâneo, escondido sob camadas de imagem, torna-se semente e bússola: não apenas reencontro, mas restituição. O Atlas não recolhe lugares fixos, traça antes caminhos e vias sensíveis, que ligam o adufe assírio à dimensão cósmica, a memória oral à escritura poética, a aldeia à constelação. Como explica Madalena Folgado (2025): “Assim, em Comum-idade, todos são figuras energéticas fulgurantes do ATLAS; CAMINHOS para o ABERTO uns para os outros, incluindo os nativos de São Miguel de Acha.”

As figuras que nele habitam – humanas, sonoras, arquetípicas – são menos personagens do que presenças vibratórias, operando num regime de escuta e transdução. Em vez de um arquivo, desenha-se aqui um corpo vivo, intricado de afetos e cruzamentos, que se oferece como território alternativo de existência partilhada. Há uma fidelidade à vida enquanto processo, onde cada encontro é simultaneamente memória e acontecimento, cada forma uma dobra do tempo.

No contexto da sua apresentação, o Atlas propõe uma instalação-viva que se espalha pelo território da aldeia como se regasse com cuidado aquilo que ainda vibra. O percurso – feito de vídeo, livro e presença –, afirma-se como ato de resistência contra o fechamento, convocando a Comunidade enquanto espaço de imaginação e partilha. Uma política do sensível, onde o mundo, ao abrir-se, respira.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz