@manoelquiterio

Manoel Quitério

Na obra de Manoel Quitério (n. 1986, Brasil), o gesto pictórico é também um gesto ritual. Conhecido pelos seus murais vibrantes, que transformam a arquitetura num altar público, é no íntimo e no pequeno formato que, nesta série, o artista convoca ao silêncio de uma espiritualidade profunda. Tarot, iniciada em 2019 e atravessada pelo tempo suspenso da pandemia, é uma travessia entre mundos: são vinte e duas telas que revêm os Arcanos Maiores à luz das cosmogonias afro-indígenas brasileiras.

A paleta saturada e contrastante que geralmente caracteriza a sua pintura é, nesta série das cartas, substituída por um ensurdecimento de cor. A paleta cromática desmerece, sobrevivendo apenas os tons acinzentados de uma época escura e solitária, dominada pelo preto e branco, com discretos apontamentos de azul e vermelho.

Aqui, a mão que pinta também molda: as molduras de madeira, feitas pelo próprio artista, são continuação do corpo e do gesto, extensão da memória artesanal que sustenta a imagem. As figuras, como o Louco, o Mago, a Rainha, a Sacerdotisa, entre outras, emergem como arquétipos revistos à luz da Jurema, do Candomblé e da espiritualidade nordestina, contaminando o tarot europeu com uma nova poética da pertença. Os elementos destas cartas dialogam com diversas dimensões religiosas e culturais, atravessadas pela ideia de miscigenação.

Manoel Quitério, imigrante no corpo e no pensamento, desloca-se entre geografias e sistemas de crença para nos falar de um sagrado que não se impõe, mas se partilha. É neste limbo entre culturas, entre passado e futuro, que a sua pintura se inscreve – uma pintura que recusa o dogma da religião institucional e insiste na vibração do espiritual como território comum. As cartas, mais do que destino, são espelhos. E é talvez nesse espelhar que se revela o gesto mais profundo do artista: o de lembrar, para pertencer.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz