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Maria Brás Ferreira

Na poesia de Maria Brás Ferreira (n. 1998, Portugal), há um risco sereno que se cola ao verso como o sal na pele. E o Coração de Soslaio a Todo o Custo abre-se como quem torce levemente o rosto, num gesto de quem não encara o mundo de frente, mas o sente de esguelha. Nesse gesto oblíquo, recolhe-se o que sobra da beleza e da dor e transporta-se essa ternura atenta ao que nos escapa: ao que pulsa na dobra do gesto ou na mentira que se encobre por amor, para a poesia, como quem cinzela a possibilidade da travessia. 

O corpo surge fragmentado – pés, mãos, fronte – e ao mesmo tempo elevado: andor ou flor, artifício ou fé. Há um equilíbrio delicado entre carne e símbolo. Herdeira da atenção de Agustina Bessa-Luís à linguagem enquanto matéria de mundo, e do cinema de Manoel de Oliveira como montagem de tempo e gesto, Maria Brás Ferreira escreve como quem recolhe conchas depois da maré cheia, escutando o silêncio deixado pela água. Há, ainda, a nostalgia de um rumor mais animal, como se à linguagem faltasse ainda o latido fiel, o ronronar distraído, ou o brotar brusco e livre da flor. 

“No ano em que o presidente dos EUA propõe proibir, entre outras, a palavra Mulher”, Maria Brás Ferreira (2025), entre câmaras, silêncio e suor. Elas aprendem que o fundo tem vigilância e o luxo é escorrer em silêncio. Ensinam filhos a falar tarde, sangram com dignidade, vivem sem aplauso, apaixonam-se por detetives falhados, e nunca conversam entre si – apenas para fora, camisola do avesso endireitada sem pensar. No quarto ao lado, um homem morre em uníssono com as preces de quem sabe que partir não se ensina. Há quem fale de tetos e alegrias como promessas, mas logo a seguir, num caderno queimado de vísceras e mensagens, surge o real: “porta da cozinha não fecha bem.” E como diz a poeta, “Mas não, jamais se permitirá o horror. Temos as máquinas ligadas, os arquivos bem arrumados nas estantes e um porteiro para cada despedimento. (...) Só os mortos estão sempre à temperatura ambiente. Então, pois, é habituarmo-nos ao frio e ao quente, é fazermos pelo que pode um colo, é aninharmo-nos nas grandes indecisões. Se soubermos saber – é dizer grosso, é ver miúdo.”

A mudança, em Maria Brás Ferreira, traduz-se numa expansão de horizontes que torna o mundo mais leve e respirável. Não se trata de um simples otimismo, mas de um olhar poético que lhe permite abrir caminhos e vislumbrar novas possibilidades. A sua poesia, que é antes de tudo uma escuta, resgata essa liberdade perdida com uma doçura crítica, mas nunca cínica. E como quem ama o mar, escreve com uma cadência que se retira e regressa, sem anunciar as ondas. 

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz