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Michel Bragança

A ideia de máscara, muito presente na obra heterogénea de Michel Bragança (n. 2000, Portugal), transporta consigo a gravidade de uma noção de identidade. Não pela capacidade de identificação das caraterísticas próprias de algo ou alguém, mas pela sua ausência. A constante exploração da máscara como véu, como elemento que esconde o rosto e, por conseguinte, a identidade de alguém, revela o questionamento ontológico presente na prática artística de Bragança. 

Uma caixa de cartão com características antropomórficas, cobre a cabeça e o tronco de uma figura. Não nos é possível reconhecer quem se encontra debaixo de tão misterioso objeto, que tanto esconde, como revela qualquer coisa. Uma expressão triste e desconsolada confronta o espectador: dois buracos negros recortados no cartão são como túneis de passagem, mas apenas num sentido. Quem está lá dentro poderá olhar cá para fora, para o exterior. No entanto, a nós, observadores estáticos e inertes, é-nos impossível perceber o que verdadeiramente se esconde do outro lado. Que angústia esta, em que um objeto tão banal e descartável, tão frágil e maleável, se transforma numa barreira sólida e impenetrável entre dois mundos. 

Vincos e arranhões, dobras e rasgões, o cartão amarelado, já envelhecido de tanto uso, destinado ao transporte e armazenamento, guarda agora outra coisa. O que terá guardado anteriormente dentro de si, para agora se apresentar tão infeliz? 

O seu trabalho inscreve-se numa linhagem que remonta aos neo-dadaístas e à pop art, lembrando as caixas de Robert Rauschenberg ou Andy Warhol, mas afastando-se da celebração irónica da cultura de massas, para tocar algo mais íntimo e inquietante: a condição humana. O caixote torna-se figura, humaniza-se. E com ele, humaniza-se também a mercadoria, como se corpo e bens materiais se fundissem numa só entidade contraditória. 

Essa figura enigmática encena a sua existência em paisagens quase teatrais, habitando um mundo que é simultaneamente doméstico e absurdo, equilibrando-se entre o visível e o oculto. O anonimato das personagens não é vazio: é espelho. Um problema individual adquire uma dimensão maior quando se revela universal. A pintura delicadamente perturbadora de Michel Bragança não denuncia, mas revela e confronta o espectador com a condição contemporânea do ato de velar e esconder. 

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz