@pedrohuet

Pedro Huet

Um espaço escuro recebe-nos com uma presença estranha. No centro, a imagem de um rosto distorcido, impiedosamente exposta sobre um fundo de um verde ácido absoluto, capta o instante de um bocejo. Trata-se de uma instalação que tanto inebria o espectador com o sono – pela reação fisiológica provocada ao ver alguém bocejar e o impulso involuntário de repetir o gesto –, como o alerta para a armadilha para a qual poderá estar a ser atraído. Silhuetas misteriosas e sombras negras antecipam a experiência angustiante e absurda, ou incompreensível, que poderá ser vivida, caso nos deixemos seduzir pelo convite de Pedro Huet (n. 1993, Portugal).

Não há aqui linearidade narrativa, pelo menos não no sentido clássico. O que o artista nos oferece são fragmentos de histórias possíveis, imagens que parecem saídas de um sonho com tonalidades publicitárias ou de um pesadelo da cultura pop. Um gesto quotidiano como o bocejo é elevado à condição de performance absurda, congelado e amplificado no tempo, como se revelasse algo de oculto no banal. A imagem em loop, sobre o verde croma, permanece suspensa numa promessa de edição por acontecer, à espera de ser manipulada e ressignificada.

No centro da instalação está presente, como diz Pedro Huet (2023), “uma figura sombria [que] segura uma representação cromada de um Conselho de Administração, lembrando-nos, ironicamente, que por mais que o tentemos minar, o lucro está sempre presente, desde o nosso primeiro bocejo da manhã até ao último ao deitar.”

São insinuações de corpos, espectros de um teatro digital onde os arquétipos se esvaziam e se reinventam. Constrói-se, assim, um cenário que tanto evoca os bastidores do cinema, como os rituais contemporâneos de espetáculo, onde o excesso de informação e a partilha desmedida de imagens e de gestos da esfera íntima, funcionam como vanglória da auto-representação.

Em Croma, o sono, somos conduzidos por um sonho que atravessa as camadas políticas da vida em comum – um devaneio turvo que se desenrola na escuridão da noite, entre mutações da paisagem, imagens caleidoscópicas, silhuetas enigmáticas e celebrações da vida interrompidas pela lógica fatal do lucro projetado. Neste fluxo onírico, entre figuras sombrias iluminadas e ecrãs coloridos penetrantes, Pedro Huet oferece-nos um teatro de signos. Trata-se de uma obra que nos envolve numa ficção descontínua, onde o espectador é convidado a desconfiar daquilo que observa, desafiado a imaginar possibilidades e a completar os espaços vazios.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz