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Pedro Oliveira

Três intérpretes, espalhados pelo espaço, dão voz aos versos escritos pelos poetas e poetisas desta Bienal. A performance, encenada por Alice Guerreiro (n. 2003, Portugal) e interpretada na companhia de outros dois atores, Pedro Oliveira (n. 2001, Portugal) e Rita Paixão (n. 1996, Portugal) mantém ativos os poemas, através da palavra dita, e pela interação que estabelece com o público.

Escondidos entre os visitantes, os performers surgem de surpresa, ativando o espaço.  A poesia ganha corpo: deixa de ser apenas leitura como processo intelectual e visual, para se tornar gesto, voz, presença. As palavras são ditas por um corpo, numa condição concreta.

Numa situação atípica, uns versos são sussurrados ao ouvido de quem por ali passar, ou segredados a quem se aproxima, inscritos na própria pele de quem os diz – como se pedissem permanência a algo efémero. Poderão estar a observar uma pintura e dizer algum verso, ou gritar através de grandes janelas, brincando com a plasticidade sonora dos espaços interiores e exteriores e fazendo ecoar vozes que se propagam. 

A mesma urgência atravessa Mulheres em Cena, projeto que habita a Bienal com o intuito de levar o teatro a grupos desfavorecidos e marginalizados, nomeadamente às mulheres da Sala de Consumo Assistido do Porto, situada no Bairro da Pasteleira Nova. 

Convocando o “Teatro do Oprimido”, como prática de escuta e visibilidade, estas mulheres “sobem ao palco” da Bienal e reconfiguram o gesto artístico como espaço de reconhecimento e afeto. Histórias à margem ocupam o centro, promovendo a inclusão, reconhecimento social e o fortalecimento da autoestima e empoderamento, bem como a melhoria das suas relações interpessoais com a vizinhança.

Como um novo despertar artístico, revela-se uma relação entre elas, outros agentes socioculturais, e o próprio espaço da Bienal. Sem qualquer objetivo em mente, esta é uma proposta que passa pelo (re)conhecimento de um espaço que acolhe o outro, que possibilita novas relações e (re)leituras de uma narrativa tão antiga quanto atual. 

Na mesma linha de reflexão sobre o corpo feminino na sociedade contemporânea, Alice Guerreiro apresenta-nos uma última performance, Rebola, Feminista!, cujo foco é a reflexão crítica à hipersexualização da mulher e do corpo a ela associado. Uma derradeira ferida: o corpo feminino, estilhaçado em mil olhares, objeto de desejo e desprezo; origem do bem e do mal.

A artista explora o funk brasileiro - estilo de música e dança dirigidos à sensualização do corpo, sobretudo o feminino, e do prazer sexual masculino - como território ambíguo, onde o prazer e a violência do olhar se entrelaçam. Movimentos fluidos e suaves, transformam-se, de súbito, em gestos bruscos e intensos, onde o corpo-ferramenta serve de objeto, simultaneamente, de estudo e de ação.

No fundo, observamos a projeção videográfica de uma boca que mastiga algo. Numa evocação à irreverência de Sarah Lucas, o gesto, aparentemente banal, torna-se símbolo: a banana é substituída por um cone de gelado, sem abandonar as conotações fálicas. A delicadeza atribuída ao corpo feminino desvanece. Entre a sedução e a repulsa, o desejo e o nojo, o espectador é confrontado, em detalhe, com a língua que lambe, os dentes que mordem, a boca que mastiga e engole com esforço. É neste desacato performativo que se revela o cerne da obra: o corpo, frágil e forte, como forma de resistência, e o humor como arma. Alice Guerreiro inverte as dinâmicas de poder e sabota a iconografia do desejo masculino - a mulher não é captada como objeto de desejo, mas como sujeito que desafia e desconstrói esse mesmo desejo.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz