Reinata Sadimba (n. 1945, Moçambique), Merina Amade (Moçambique) e Julia Nacheque (Moçambique) constituem o trio Maconde cujas mãos se revelam como ferramentas mágicas, onde a matéria toma forma de gesto ancestral, e onde cada curva, cada incisão, se revela como uma fala antiga – uma memória que se manifesta.
O rosto – ou, antes, a “rostidade” – alastra-se por todo o corpo, coberto de inscrições que não são ornamento, mas código. Assim como as escarificações faciais que trazem no rosto marcado, características desta cultura, as três ceramistas imprimem no barro motivos geométricos que evocam ritos, espíritos, fertilidade. Reinata Sadimba, figura exemplar da escultura moçambicana, não esculpe retratos, mas presenças. As suas figuras, de olhos cerrados e bocas entreabertas, surgem de um mundo interior, onde o que importa não é a aparência das coisas, mas o sentido que estas evocam.
Tradicionalmente talhadas em madeira – especialmente pau-preto – a esculturas Macondes são profundamente simbólicas, transmitindo tanto narrativas míticas, como comentários sociais. Por meio da técnica de subtração da madeira, surgem figuras que gritam, abraçam e protegem. Merina Amade é outra artista cuja força expressiva modela o barro com a dignidade do tempo – existe uma ancestralidade que se recusa a ser apenas passado.
A tensão entre volumes arredondados e incisões rítmicas cria um jogo visual onde a vida pulsa em cada figura, como se o barro ainda respirasse. Há algo de animal e de humano, de mitológico e de quotidiano, que se entrelaça neste universo formal. Mulheres deitadas com os filhos presos ao peito, corpos abraçados, figuras de feições largas e gestos que parecem brotar do ventre da terra. Estas pequenas esculturas não se erguem para serem vistas, mas para que nelas se veja: a transmissão silenciosa do cuidado, do vínculo, da pertença.
O barro nas mãos de Julia Nacheque torna-se veículo de narrativas femininas e de maternidades múltiplas. A escultura Maconde não é apenas decorativa, é funcional e ritual. Serve propósitos religiosos, pela ligação aos espíritos e aos ancestrais; sociais, pela transmissão de status ou identidade, e políticos, enquanto reflexão sobre a colonização ou as transformações culturais em Moçambique. São formas que parecem segredar histórias, convocando um tempo circular em que passado e presente se fundem numa só superfície vibrante.
As esculturas têm a densidade de um canto comunitário, criadas pela força espiritual destas artistas Macondes, que encarnam resistência e luta – pela conquista do matriarcado na cultura africana. Partilham uma visão do barro como território de evocação, extensão do corpo e da memória. São figuras que nascem de olhos fechados, mas cuja visão é mais ampla do que a de muitos que se encontram de olhos abertos. Um fulgor que emana do corpo, que só o barro pode concretizar. Ali, no centro da matéria, pulsa uma verdade que só as mãos sabem traduzir – como diz Reinata Sadimba (2020): “Eu quero é barro”
Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz
Cortesia: João de Almeida e António Maia