@rubencamaleao

Ruben Zacarias

Na obra de Ruben Zacarias (n. 1995, Moçambique), o gesto pictórico é, mais do que forma, escuta. A Coreografia antropomórfica, como tantas outras das suas peças, move-se numa tensão entre o peso e a leveza, entre o corpo e o símbolo. As figuras parecem emergir de uma espessura emocional, moldadas pela cor que as habita e pelas ausências que as contornam. 

Não pinta para transformar o mundo – esse gesto seria demasiado ruidoso – mas antes para o partilhar, como um sussurro, como quem escreve à beira de um livro lido na infância. A pintura nasce-lhe da literatura, e talvez seja por isso que a superfície da tela se apresente como uma página secreta: onde os corpos dançam, sofrem, se expõem ou se recolhem. Neste quadro, a matéria é densa, quase tátil, e as figuras, embora deformadas, são carregadas de uma humanidade inconfundível. Nada aqui é linear, mas também não é caoticamente surrealista. É, antes, uma lógica interior e onírica, onde a imagem se constrói por camadas, de uma paleta cromática, ora surda e temperada, ora contrastante, como quem fala por sobreposições de tempo e memória. Apesar de parecer partir da observação do real – o corpo humano e o peixe, muito retratado pelo artista –, convoca o imaginário. As figuras não se impõem com rigidez, mas insinuam-se. Existe um género de movimento contido, uma oscilação entre o visível e o indizível. 

A pintura, densa e matérica, rejeita a bidimensionalidade. É quase escultórica, como se cada camada escondesse outra narrativa possível. As referências à arte africana são subtis, mas fundamentais, e surgem, não como citação, mas como herança vivida.

O seu mundo é feito de toques e ternuras que resgatam a dimensão invisível do ser, como quem põe em cena a beleza do que não tem nome. Longe da combatividade, o artista escolhe a doçura firme, a filosofia do silêncio. Na sua obra adensa-se uma poética do inconsciente, onde os arquétipos de Carl Jung encontram um corpo plástico, habitado, atravessado pelo sonho. Do Niassa ao Porto, das reservas naturais aos muros da cidade, o que Ruben Zacarias desenha é uma linguagem de interioridade em forma de imagem – como se a alma, por fim, ganhasse contorno.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz