@vuduvum

Von Calhau!

O duo Von Calhau! (n. 2006, Portugal) – designação do corpo de trabalho desenvolvido em comunhão por Marta Ângela e João Artur nas “formas irre e reconhecíveis” de música, texto, artes visuais, performance – constrói uma obra cuja identidade se dissolve precisamente na recusa da definição. A sua prática, simultaneamente exuberante e hermética, instala-se num território de transgressão estética onde som, imagem, texto e ação performativa se entrelaçam como fragmentos de uma maquinaria cósmica e absurda. 

O universo de Von Calhau! inscreve-se numa genealogia que rejeita fronteiras disciplinares, preferindo operar no limbo entre linguagens, onde a improvisação e o nonsense são forças condutoras de uma investigação estética e existencial em permanente estado de mutação.

As suas performances são experiências sinestésicas, construídas a partir de uma visualidade que desafia o olhar: padrões animalescos, tecidos domésticos, máscaras que oscilam entre o grotesco e o ritualístico, objetos banais convertidos em fetiches sonoros. No palco, corpos estranhos, parcialmente ocultos ou camuflados interagem com dispositivos low-tech – fios, rádios, percussões, sintetizadores caseiros – numa encenação que não busca um significado fixo, mas antes convoca um delírio lúcido, uma coreografia do ruído e do acaso. A sua estética visual apropria-se da cultura vernacular e da iconografia popular, mas distorce-as até atingir um léxico próprio e simbólico, onde o humor e a crítica se insinuam sem nunca se declararem frontalmente.

Mais do que performances, as suas ações são encarnações de uma ideia expandida de obra: uma “Gesamtkunstwerk” desviada – não no sentido romântico wagneriano de unidade sublime, mas como campo de colisão entre diversos media. A estrutura é sempre instável, movida por uma lógica interna de “condução cega” – expressão que os próprios artistas usam para descrever a sua metodologia: partir de uma figura, de um gesto, de um som, e permitir que o processo revele um novo caminho, frequentemente inesperado. 

Neste movimento, tempo e linguagem são subvertidos; o palíndromo, o trocadilho, a inversão sem propósito, tornam-se dispositivos de criação onde o sentido é interrompido ou deslocado. O seu trabalho opera no limiar da desconstrução, expondo as fissuras da linguagem e a rigidez dos sistemas artísticos instituídos. Von Calhau! convida-nos a entrar nessa maquinaria de paradoxos, onde tudo comunica através do ruído, do riso e da rutura.

Investigação e criação de textos de apoio à curadoria: Leonor Guerreiro Queiroz