Poesia

——

Andreia C. Faria

Não digo o limiar

Mal te toco,

arrepanho a pele dos versos.

Sou de urgências,

lírica,

imprestável,

no entanto toco-te,

a carne que é em ti o mundo.

Não digo o limiar.

Digo feições e fundo,

as linhas com que coses

o teu dia fixo.

Sei que nos separam

graus de opacidade,

a luz entre dois ventres

move-se larval.

Poucas vezes a beleza

terá sido tanta.

Toco-te e não toco

o meu casulo imundo.

Sonora

Como se despede um coração

da cavidade

aquando das primeiras chuvas,

a perspectiva de sofrer

deixa-me gárrula,

sonora,

a ossatura imensa.

Será preciso suportar

a dor como o meu duplo.

Expor o sulco

acerbo das gengivas e cantar.

Por isso escrevo pelo ar adentro

(ventrículo 

de uma pequena fé)

o consolo do meu eu futuro.

Opero

para estudo e compaixão

a siringe de um pássaro que exulta.