Não digo o limiar
Mal te toco,
arrepanho a pele dos versos.
Sou de urgências,
lírica,
imprestável,
no entanto toco-te,
a carne que é em ti o mundo.
Não digo o limiar.
Digo feições e fundo,
as linhas com que coses
o teu dia fixo.
Sei que nos separam
graus de opacidade,
a luz entre dois ventres
move-se larval.
Poucas vezes a beleza
terá sido tanta.
Toco-te e não toco
o meu casulo imundo.
Sonora
Como se despede um coração
da cavidade
aquando das primeiras chuvas,
a perspectiva de sofrer
deixa-me gárrula,
sonora,
a ossatura imensa.
Será preciso suportar
a dor como o meu duplo.
Expor o sulco
acerbo das gengivas e cantar.
Por isso escrevo pelo ar adentro
(ventrículo
de uma pequena fé)
o consolo do meu eu futuro.
Opero
para estudo e compaixão
a siringe de um pássaro que exulta.