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O fulgor da imaginação: um corpo de afetos para um futuro de possibilidades

Manuel Santos Maia

A edição de 2025 da Bienal de Arte Contemporânea da Maia (BACM) assinalou o culminar de um ciclo iniciado em 2021, atravessado por inquietações políticas, desejos utópicos e um contínuo questionamento do presente. Não se tratou de um encerramento, mas de uma soma de interrogações que mantiveram vivo um fluxo de pensamento. Após ter explorado a cultura como uma prática intrinsecamente política, indissociável do nosso lugar e intervenção na sociedade na edição de 2021, e mais recentemente como um bem que permitiu refletir sobre o presente e os desafios da existência no futuro próximo na edição de 2023, a BACM 2025 propôs-se, por isso, abrir um novo horizonte: um futuro liberto do medo que permeou determinados discursos e narrativas, mais plural, inclusivo, desafiante e, simultaneamente, inventivo.

“Como continuar o humano?”, perguntou Maria Gabriela Llansol, cuja presença foi farol para estas edições. A BACM25 regressou a essa pergunta com um programa transdisciplinar e disseminado pelo território, ancorado no poder transformador da arte contemporânea como gesto vivo e corpo de afetos. Foi nesse gesto que se revelou o fulgor – não apenas como tema-conceito, mas como condição necessária ao nosso presente. Entre 3 de julho e 14 de setembro, artistas de diferentes gerações e geografias propuseram obras que não descreveram o mundo, mas que o reinventaram. Apresentaram-se, assim, obras que exigiram do público não uma leitura linear, mas uma disponibilidade sensorial, poética, crítica.

“Como continuar o humano?”, perguntou Maria Gabriela Llansol, cuja presença foi farol para estas edições. A BACM25 regressou a essa pergunta com um programa transdisciplinar e disseminado pelo território, ancorado no poder transformador da arte contemporânea como gesto vivo e corpo de afetos. Foi nesse gesto que se revelou o fulgor – não apenas como tema-conceito, mas como condição necessária ao nosso presente. Entre 3 de julho e 14 de setembro, artistas de diferentes gerações e geografias propuseram obras que não descreveram o mundo, mas que o reinventaram. Apresentaram-se, assim, obras que exigiram do público não uma leitura linear, mas uma disponibilidade sensorial, poética, crítica.

Porque a arte, ao contrário de um espelho, não refletiu apenas o mundo – ela criou fissuras, possibilidades, outros modos de ver e de estar. Houve, nesta edição, uma recusa deliberada do já visto, do já revisto. As obras reunidas convocaram o tempo em espiral, onde o passado se reconfigurou à luz do presente e do futuro, como nas palavras de Llansol: “só mais tarde nos apercebemos de que tudo já tinha acontecido no futuro.” Foi esse tempo vibrátil que atravessou os trabalhos de artistas plásticos, mas também de poetas, músicos e performers, cujas práticas atravessaram pintura, performance, escrita, música, instalação, escultura, vídeo, gastronomia ou paisagem sonora – sem se restringirem a um único meio ou linguagem.

Nesta conjuntura, um importante destaque desta edição foi a presença significativa de um conjunto de obras de Eduardo Batarda. A seu modo, este núcleo funcionou como um eixo de fulgor e revisitação crítica. Para mim, enquanto curador, tratou-se de um dos corpos de trabalho mais intensos e fulgurantes da arte portuguesa – não apenas no contexto da arte contemporânea, mas em diálogo com os nomes maiores da nossa história artística. A obra de Batarda, notável e profundamente singular, mereceu ser continuamente revisitada. Foi um poema ao qual regressámos de ânimo renovado, com a certeza de que ali se jogou, ainda e sempre, uma possibilidade de futuro – na qual esta bienal se reconheceu amplamente.

A BACM foi, desde a sua génese, um lugar de encontro e experimentação. De um passado centrado na arte jovem, evoluiu para um espaço onde se reconheceu o fulgor do novo, independentemente da idade. Este ano, a Bienal pensou-se também para além da exposição central, realizou-se no Fórum da Maia, e alargou-se ao território, com residências artísticas em Arraiolos, São Miguel d’Acha, Porto, Maia e Castelo Branco. Este movimento descentralizador reforçou o papel da Maia como cidade culturalmente ativa, ousada e profundamente comprometida com o seu tempo.

De igual modo, a transdisciplinaridade foi não apenas uma metodologia, mas uma posição política. A arte contemporânea obrigou-nos a escutar novas linguagens, cruzar saberes e a abandonar categorias rígidas. Neste gesto, a Bienal aproximou-se daquilo que foi o “vivo no meio do vivo”, como diria Llansol. Porque não bastou fundar a liberdade: foi necessário ampliá-la.

A BACM25 apresentou performances que reinterpretaram a tradição popular, como a ação de Madalena Folgado e das adufeiras a partir de Giacometti e Lopes-Graça; instalações que dialogaram com poetas esquecidos; obras que se prolongaram em múltiplos sons e imagens. Momentos de encontro, de desvio, de transformação, onde a poesia atravessou tudo, não somente como género literário, mas como gesto sensível.

Neste tempo inquieto e plural, a Bienal afirmou-se como lugar de fulgor: um acesso possível ao novo, ao vivo, àquilo que ainda arde. Um lugar onde a arte foi processo, risco e presença, permitindo um olhar que se abriu a novas possibilidades. Não tendo sido nunca um ponto de chegada, foi mais um passo no compromisso com a imaginação.